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Telefone faz 145 anos: brasileiros contam histórias sobre o aparelho

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Graham Bell levou a fama e o dinheiro. Meucci, o reconhecimento tardio da invenção. Mas é com Cleonice, Roseli e Lúcia que a história do telefone é recontada diariamente. É por esse aparelho que brasileiros com diferentes profissões contam uma história que começou há 145 anos, quando foi feita a primeira comunicação oficial, por Alexander Graham Bell, em 10 de março de 1876.

O escocês era considerado o inventor do telefone até uma reviravolta em 2002, quando se reconheceu oficialmente o italiano Antonio Meucci como o verdadeiro pai da ferramenta (🔎Guerra de patentes). Em 2021, o tom de discagem continua ativo, com direito à nostalgia dos tempos das centrais telefônicas e orelhões e com a facilidade dos sinais digitais que fazem de tudo – até mesmo uma ligação.

“Alô, é da rádio?”

Cleonice Santos em sua casa na roça/Registro pessoal

A baiana Cleonice Santos mora em Uruará, no Pará, e divide o tempo entre a zona rural e sua casa no centro da cidade. Desde muito nova, trabalha na lavoura e tinha dificuldades em se comunicar com a sua maior paixão: a Rádio Nacional. Depois que se mudou ainda criança de Itamaraju (BA) para Uruará, conheceu o orelhão funcionando e passou a ligar semanalmente para a Central de Ouvintes da Rádio Nacional (🔎 Saiba como entrar em contato), um canal único que ajuda a aproximá-la da emissora e mandar “sinal de fumaça” aos apresentadores. Segundo Cleonice, a Rádio Nacional é uma aliada na hora de mandar notícias a pessoas mais distantes. “Eu nunca precisei para mim, mas já liguei a pedido de uma amiga que queria encontrar um parente”, explica, satisfeita com o sucesso dessa missão.

Como se fosse a escalação da seleção brasileira, Cleonice sabe os nomes de praticamente todos os apresentadores da Rádio Nacional da Amazônia, com quem se comunicava antes só por cartas. “Demorava uns dez, 15 dias pra receber resposta, mas era uma alegria só”. Agora, com o telefone, ela pede músicas e manda “alôs” para a redondeza. Da rádio, já recebeu receitas e até sementes de uma árvore da apresentadora do Viva Maria, Mara Régia. “A moringa tem sido uma farmácia dentro de casa”, enfatiza.

Uruará tem cerca de 45 mil habitantes e 45% deles vivem na zona rural. Quando está na roça junto com seu marido, ela continua a se comunicar com a rádio pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. Outra vantagem no local onde mora é que o sinal de internet funciona bem e ela utiliza para se comunicar com os filhos. “Uso direto, ainda mais nesses tempos de pandemia.”, diz Cleonice.

 

Orelhão público: Museu Telesp / Relatório Telebras 1985

A agricultora familiar conta que teve contato com o telefone, pela primeira vez, aos 35 anos. Hoje, aos 53 anos, tem ficado mais tempo na casa da cidade, onde estava acostumada com os orelhões como parte da vizinhança. A ficha de que não existiam mais orelhões pela rua caiu somente durante a entrevista. A expressão cair a ficha, inclusive, remete ao ato de colocar fichas no aparelho para ativar o crédito disponível para a ligação – em 1982, houve o surgimento dos cartões telefônicos, a partir da invenção do engenheiro brasileiro Nelson Guilherme Bardini. “Aqui os orelhões sumiram, mas fiz uma viagem recente ao Paraná e vi muitos deles bem conservados, bacana mesmo.”

Chamada a cobrar

Se você pudesse fazer uma chamada ao futuro para perguntar como anda a evolução do telefone, o que você imaginaria ouvir como resposta?

Em busca de previsões, Cleonice, Roseli e Lúcia enxergam que a grande invenção já está presente: o celular com internet. “A gente aperta ali, acabou de fechar a boca, a pessoa já tá respondendo a gente bem rapidinho, mas acho que vão vir coisas mais avançadas ainda no celular.”, diz Cleonice.

No caso de Lúcia, ela afirma que a idade e os avanços dificultam um pouco. “Os idosos têm dificuldade de apertar um botão ali, aqui. Agendar vacina, INSS é difícil. No meu caso, fui entrando nas novas tecnologias quase que automaticamente. Mas prefiro estar com as pessoas, adorava quando tinha a revista impressa”. Cleonice também concorda que a tecnologia tem ajudado a diminuir o contato humano. Para o futuro, ela não duvida que um dia nem aparelho existirá. “Seremos chipados”, ri digitalmente com vários “kkk” para acompanhar.

Enquanto o futuro não chega para tirar à prova as previsões, o passado continua preservado tanto nas memórias de Cleonice, Lúcia e Roseli, quanto em museus e reportagens. Em junho de 2011, o videorrepórter Rodrigo Leitão entrevistou o sexagenário Hélio Forte. Na época, aos 66 anos, Hélio vendia, comprava, consertava, restaurava e também fabricava telefones com design original ou réplicas sob demanda. A trajetória de Hélio mostrava o quanto sua paixão e vaidade com os aparelhos o havia transformado em um “mestre dos telefones”.

“Os primeiros telefones, de 1880, 1890, vinham muito arrebentados. E meu prazer era restaurar e aprender também, porque mexendo você ficava conhecendo as peças…Hoje eu sou considerado um dos melhores do Brasil”, disse o restaurador na ocasião da entrevista.

Infelizmente, seu Hélio faleceu em 2015 e sua loja em São Paulo foi fechada permanentemente. “Ele já saiu daqui para outro plano. Não deixemos de agradecê-lo de alguma forma”, comenta Rodrigo, na expectativa de que o vídeo que produziu possa contribuir com a memória e homenageá-lo postumamente.

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